Derretimento das geleiras nos Andes contamina rios com água vermelha
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Derretimento das geleiras nos Andes contamina rios com água vermelha

Publicado em 30 de novembro de 2024 às 10:01

Huaraz, no Peru, é palco de uma tragédia ambiental que tem afetado duramente a vida de seus habitantes. Dionisia Moreno, uma agricultora indígena de 70 anos, relembra com tristeza os tempos em que o rio Shallap jorrava água cristalina, repleta de trutas. **“Pessoas e animais podiam beber a água sem sofrer”**, conta ela. Infelizmente, o que resta hoje é um cenário desolador: **“Agora a água está vermelha. Ninguém pode bebê-la”**.

Mudanças Climáticas em Foco

À primeira vista, a poluição gerada pela mineração poderia ser a responsável por esse desastre. O Peru, acionista principal nos mercados de cobre, prata e ouro, observa rios nas proximidades de minas abandonadas com tons ferrugem. No entanto, **a verdadeira vilã é a mudança climática**. A Cordilheira Branca, com a maior concentração de geleiras tropicais do planeta, tem enfrentado um derretimento acelerado devido ao aumento das temperaturas, comprometendo uma das principais fontes de água doce do país.

A Deriva da Água Ácida

Desde 1968, essas geleiras encolheram mais de **40%** de sua extensão. A revelação de rochas subjacentes, ao serem expostas, dá início a reações químicas que lixiviam metais tóxicos e acidificam a água. **Raúl Loayza**, biólogo da Universidade Cayetano Heredia, explica que a drenagem ácida de rochas **“cria uma reação em cascata que polui as fontes de água”**. O impacto se faz sentir diretamente nas nascentes do rio Shallap, que agora apresentam um pH *inferior a 4*, quase tão ácido quanto o vinagre e repleto de metais pesados, como chumbo e manganês.

A Urgência do Acesso à Água Limpa

As autoridades de saúde já declararam o rio Shallap e outros riachos acidificados como impróprios para consumo humano. Contudo, as aldeias, dependendo dessa água para irrigação, ainda a utilizam, cientes de que isso pode comprometer suas colheitas. **Juan Celestino**, esposo de Dionisia, relembra como a comunidade inicialmente culpou agentes externos pela extinção das trutas: **“Não pensamos que era o próprio rio”**.

Iniciativas para Mitigar os Danos

A comunidade de Canrey Chico, com apoio de uma ONG local, já começou a desenvolver sistemas de lagoas plantadas com juncos nativos para tentar aumentar o nível de pH e reduzir a contaminação. No entando, o apoio governamental para expandir esse programa esmoreceu, deixando muitos, como o agricultor **Vicente Salvador**, a lidar com as consequências da falta de acesso à água limpa.

Outros relatos, como o de *Sixto León*, evidenciam que a crise não é restrita apenas aos rios: *“A água da nascente que minha família consumia começou a ter gosto azedo”*, e a realidade se repete em várias aldeias, onde as fontes de água, antes consideradas mais limpas, estão se tornando escassas.

Um Olhar Para o Futuro

As perspectivas são desalentadoras. Com previsões de que as geleiras abaixo de 5.000 metros desaparecerão até 2030, a situação da água potável em Huaraz e região é crítica. **María Marchena**, gerente da EPS Chavin, que fornece água à cidade, revela um plano de construir uma estação de tratamento de **US$ 10 milhões»,** mas destaca: **“É mais complicado de tratar e mais caro. A situação é muito crítica e se tornará ainda mais.”**

A **Cordilheira Branca** está em um caminho de autoabismo, e suas comunidades indígenas, as mais vulneráveis, clamam por atenção. **“Esses lugares são uma bomba-relógio para a vida e os ecossistemas”**, sintetiza Raúl Loayza. A luta por um futuro sustentável, que garanta água limpa e um ecossistema saudável, nunca foi tão urgente.

Folha de São Paulo